Mãe Exemplar
Gostaria muito de ser uma mãe exemplar. Essas mães exemplares citadas nas biografias de filhos bem sucedidos: minha mãe foi um exemplo.
Se fizesse uma pesquisa, por certo que descobriria que faço parte de um número grande na estatística das mães que sonham ser “a dos bons exemplos”.
Sei que nada pode me garantir sucesso nessa trilha desejada, mas insisto no sonho.
Nessa semana, na Escolinha, teve avaliação. Ouvi algumas frases importantes para quem quer ser a mãe de exemplos bons: Tem um ótimo vocabulário para a idade. Adora contar as histórias que ouve em casa. Tem ótimos cuidados com a Higiene. Opa! Alguns pontinhos somados na minha nota de mãe. Estou num bom caminho. Amém.
Transmiti a ele todos os elogios que recebi, por seu comportamento, e selei a converse com uns “amassinhos” e beijos.
Chegamos em casa felizes. Fiz o jantar com a dedicação de uma mãe “das melhores do ranking”!
Arrumei a cozinha, ao final da refeição, deixando tudo brilhando. Ele espalhava brinquedos, entre a sala e cozinha, e travava conversas imaginárias com alguns heróis e cavalheiros.
Antes de ir prepará-lo para a “hora de dormir”, revirei gavetas procurando um documento que precisaria no dia seguinte. Achei um livro que tenho há anos: Encontro Marcado com Mário Quintana”. Li uma página, ali mesmo, em pé, com a gaveta aberta. Desisti de procurar o tal papel e larguei o livro sobre a cama para “dar uma lidinha” antes de dormir. Fui até a sala e avisei que já era hora. Hora do que? De dormir! Ora!
Ahhhhhhhhhhhhhh, mãe ! Posso brincar só mais um pouquinho assim? Mostrou o tempo pedido com os dedinhos, indicador e polegar, bem próximos.
Tá. Eu deixo. Só esse pouquinho. Êba!
Voltei ao livro. A leitura tira, dos adultos que conhecem relógios, toda noção do tempo. Quando notei que já estava “no meio do livro”, dei uma espiada e vi que ele estava mais absorto ainda com os “amiguinhos” e brinquedos. Uma voz interna (a voz da culpa) me chamou a atenção: Hei ? Onde está a mãe exemplar? Ouvi a voz estraga prazer de leituras e brincadeiras infantis. Com custo, consegui arrumá-lo para ir para a cama. Foi quando ouvi mais uma propostinha: Deixa eu brincar só mais ummmmmmmmm minutinho na frente do espelho? Tá! Só mais esse minutinho. Voltei ao livro. O poeta contava histórias da sua vida, aparecia o pai e mãe do poeta dando exemplo de leitura. Não disse? Pais e mães aparecem nas biografias. Depois o poeta falou na morte dos pais. Isso também acontece sempre. Pais e mães dão exemplos e morrem.
Levantei a cabeça e espiei o teatro encenado na frente do espelho. Lindo, cheio de talento. Uma pena interromper. Segui no livro. Ótimo ! Emocionante! Uma pena interromper. O ator de teatro improvisado deu um salto no meu colo, enfiou a cabeça por entre meus braços e olhos para as páginas: Tem alguma história para crianças ai? Não. E o que é esse desenho desse palácio aqui nesse canto? Ah! Isso é um desenho de um casarão antigo. O poeta morou num lugar assim na sua infância. Conta um pouco? Contei e li umas poesias pequenas.
Dei um basta. Agora, sim, já é hora. Tá bom. Tá bom. Já sei. Pulou na cama. Dormiu num espaço de cinco minutinhos – esses minutinhos dos relógios dos adultos.
Olhei para o livro novamente. Voltei. Cheguei na última página e olhei para o relógio: 00:22.
Já havia lido aquele livro uma vez. Pareceu, no entanto, que a leitura era totalmente nova.
Naquela noite, após a ótima avaliação da escola, foi inevitável a minha avaliação de mãe exemplar. Nota Zero. Sim, isso mesmo. Uma mãe que lê um livro inteiro, numa única noite, e deixa o filho fazer muitas estrepolias pela casa e dormir tarde, o que pode ser?
Uma mãe fora de qualquer padrão, no mínimo.
Não há motivos para espanto das leitoras exemplares. Esses fatos, sem a disciplina do relógio adulto, só acontecem eventualmente.
Não tenho a menor resposta para a voz interna ( a estraga prazer de leitores e crianças) que diz para seguir as regras sempre. Também não tenho notas altas para a minha avaliação de mãe.
Mas, sobrou um exemplo, ou até dois: um pouco de liberdade e um pouco de leitura.
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